Jesus dos Santos
O cearense Clodoaldo Olinda Fernandes é servidor público federal, hoje aposentado.
Ainda trabalhando em Fortaleza como servidor concursado do Ministério da Saúde, conheceu uma jundiaiense, com quem se casou aqui na cidade, onde veio morar, já que pediu sua transferência.
A Prefeitura de Jundiaí o recebeu, fez sua lotação na Unidade de Zoonoses, área em que Fernandes acumula experiência. Pela transferência, a Prefeitura de Jundiaí não assumiu nenhum custo. O servidor continuou recebendo seus salários pelo Ministério da Saúde.
Nesta entrevista, concedida neste domingo (23), Fernandes fala do assédio moral que sofreu na Unidade de Zoonoses, órgão ligado ao Departamento de Vigilância em Saúde, que também coordena as divisões de Vigilância Sanitária, Vigilância Epidemiológica, Cerest e Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) da Prefeitura de Jundiaí.
Ele diz que o assédio moral teve início, tão logo ele recebeu a notificação do Jurídico da Prefeitura de Jundiaí para prestar depoimento como testemunha de colegas de trabalho, por ocasião de uma sindicância. (Veja matérias relacionadas neste site).
Enquanto era entrevistado, Fernandes chorou. Apesar de passados cerca de dois anos de sua saída da Prefeitura de Jundiaí, ele acabou se emocionando bastante, ao se lembrar das situações pelas quais passou na Unidade de Zoonoses. Negou, no entanto, a tentativa de suicídio, já que essa hipótese teria sido comentada por alguns colegas.
Acompanhe.
GJ – Hoje você está aposentado pelo Ministério da Saúde. Mas, seus últimos locais de trabalho foram prefeituras de Jundiaí e de Morato. É isso?
Codoaldo Fernandes – Exatamente isso. Meus dois últimos locais de trabalho foram prefeituras de Jundiaí e de Morato. E posso dizer que, entre elas, a de Jundiaí (Unidade de Zoonoses) é o inferno e a de Morato, o céu. Saí do inferno e fui para o céu!
Aqui em Jundiaí sofri muito no trabalho. No começo até que não! Tudo começou depois aceitei ser testemunha para três colegas que entraram em sindicância, porque foram gravados e filmados às escondidas, dentro da viatura em que trabalhavam na Unidade de Zoonoses. Sei que essas provas não foram válidas (lícitas) para atender o que o gerente (Carlos Ozahata) queria, mas também houve depoimentos de pessoas contra os três colegas. Eu fui a favor. Sei que o que falei naquele depoimento é a verdade e não sou de faltar com ela.
Esses três meninos (servidores) são pessoas de bem, muito bem capacitados e até estão em condições acima do cargo que exerciam.
Posso dividir meu tempo de trabalho na Prefeitura de Jundiaí em duas partes: a primeira, até quando recebi a notificação do departamento jurídico da Prefeitura de Jundiaí para esse depoimento. Fui arrolado como testemunha de defesa. Até aí, eu era tratado muito bem. O gerente (Ozahata) até me mostrava como referência aos colegas, durante algumas reuniões. Isso pela experiência que tenho. Em Fortaleza, pelo Ministério da Saúde, já coordenei equipe de mais de 400 servidores, em trabalhos de controle de endemias.
A segunda parte é referente à depois que recebi a notificação para depor na sindicância. Minha vida mudou ali dentro da Unidade (Zoonoses). Passei a ser tratado como inimigo do gerente, só porque aceitei depor em favor dos três colegas que estavam em conflito com ele (gerente).
A partir dessa minha aceitação, o gerente me retirou das atividades que eu vinha desenvolvendo e me colocou naquelas que podemos até considerar as mais elementares ou ‘pequenas’.
Passei a procurar primatas (macacos) mortos nas matas, passei a ajudar na desratização e na aplicação de inseticidas em bueiros. Eu já não tinha mais importância para participar de reuniões, ou de outras atividades mais complexas.
Aliás, quero destacar que nem mesmo para essas atividades eu recebi um EPI – Equipamento de Proteção Individual (máscara, botina com biqueira de aço, luvas etc). Tanto é que, na aplicação de inseticidas eu precisava tapar o nariz com a mão para me proteger. Vou te encaminhar uma foto. (Foto acima, na parte esquerda).
GJ – Mas você tem certeza de que a mudança do tratamento do gerente se deu exatamente por isso?
Clodoaldo Fernandes – Olha, pra você ter uma ideia, quando faltavam cerca de 40 ou 50 minutos para eu me dirigir ao Paço Municipal (departamento Jurídico), onde fui prestar o depoimento, o gerente Ozahata me chamou na sala dele e trancou a porta.
De início da fala dele ele já disparou: “Seu processo de transferência do Ministério da Saúde para a Prefeitura de Jundiaí ainda não está concluído. E segurava o processo em suas mãos. Para que você fique aqui com a gente, ainda é preciso um parecer meu e de nossa diretora Fauzia (Abou Abbas Raíza). Você está aqui, mas não sabe realmente das coisas que acontecem”.
GJ – Então sobre os meses que você já estava trabalhando aqui em Jundiaí o Ministério da Saúde não sabia de nada? E isso porque o processo de transferência ainda não estava concluído.
Clodoaldo Fernandes – É claro que sabia! Todos os meses minha folha-ponto era assinada por ele (gerente) e cópia dela era encaminhada lá para o Ministério! Simplesmente não me senti ouvindo a verdade do gerente. Senti que ele, apoiado pela diretora Fauzia, já estava com a intenção de me tirar e isso era uma invenção dele.
Em seguida ele pegou de um armário cópias do processo dos meninos (os três sindicados) e começou a folhear. Mostrava isso e aquilo e eu disse que estava indo para o depoimento para falar sobre o que conhecia dos meninos, mas não sobre se realmente aconteceu isso ou aquilo. Disse ao gerente que iria falar no depoimento a respeito do período em que trabalhei com eles, da parte profissional. Só isso. Até porque tudo o que se passou entre eles e o senhor (gerente) foi antes de junho de 2017, data em que comecei na Zoonoses.
Enfim, nessa conversa, percebi que o gerente estava querendo mudar o meu depoimento. Ele me colocava na parede. Confesso que saí daquela sala e nem sentia meus pés pisando no chão. Estava emocionalmente abalado. Saí dali com muito ódio pelas coisas que ele me colocou.
Fui para o depoimento e cumpri minha obrigação.
GJ – Além aqui da entrevista, você já tinha contado para alguém sobre essa conversa que o gerente teve com você, antes de seu depoimento?
Clodoaldo Fernandes – Contei principalmente a quem, em minha opinião, mais interessava: a própria comissão de sindicância. (Veja recomendação da Comissão de Sindicância ao final da entrevista).
GJ – Continue, por favor.
Clodoaldo Fernandes – Bem... tempos depois do depoimento, o gerente Ozahata me chama de novo em sua sala e disse que, a partir daquele momento, eu não mais pertencia nem ao quadro de servidores da Zoonoses, nem da Prefeitura. Me mostrou o documento que dizia que o Município de Jundiaí estava me devolvendo para o Ministério da Saúde. Disse, também, que eu teria 30 dias de prazo para procurar outro município que se interessasse por mim, ou, então, vencido esse prazo, que eu deveria voltar para o Ministério da Saúde.
Me desesperei! Pedi uma reunião com a diretora de Vigilância em Saúde, Fauzia (Abou Abbas Raíza), e ela me recebeu. Até gravei essa conversa, mas nem sei mais onde está esse áudio.
Eu expliquei a ela que, em meu depoimento na sindicância, eu só disse sobre a parte profissional dos meninos (servidores) e não do que acontecia entre eles e o gerente, uma vez que eu não tinha conhecimento para falar sobre isso.
A diretora Fauzia até me perguntou: “Por que você não disse isso ao Carlos (Ozahata)?” Ao que respondi que também ele nunca havia me perguntado.
Eu expliquei a ela, também, que na Prefeitura de Jundiaí tem diversos setores onde eu poderia trabalhar. Ela até me deu um fio de esperança, mas nunca me retornou.
Senti que a diretora apoiava o gerente em tudo o que ele fazia.
Daí, tive que me virar em termos de outro município mesmo. Fiquei com o prazo de 30 dias sozinho correndo atrás da solução.
GJ – E qual o motivo que o gerente apresentou para encerrar a cessão de um funcionário público federal para o Município?
Clodoaldo Fernandes - Antes de eu te responder, imagine primeiro uma pessoa com pouco tempo nesta região, nesta cidade, enfim... chegar numa situação dessa! Ou seja, vou ter de ir para não sei onde, sendo que, aqui, até já comprei apartamento...
Quando ele me disse o motivo, fiquei muito abalado. Me senti a pior pessoa do mundo! E sei que por isso nunca mais vou ser a mesma pessoa. Ele acabou comigo! (Clodoaldo pausa sua fala e chora).
Ele me disse que eu não tinha condições técnicas para desenvolver as atividades da Zoonoses.
Veja que em meu estado, desenvolvi todas as atividades de Zoonoses, até chegar a coordenar uma equipe de 400 servidores no combate a endemias, em Fortaleza!
GJ – Bem... daí você saiu daqui da Prefeitura de Jundiaí e foi para a Prefeitura de Morato. Conseguiu isso no prazo?
Clodoaldo Fernandes – Graças a Deus consegui, sim. Minha esposa trabalhava na Prefeitura de Morato e explicou minha situação ao secretário de Saúde de lá. Ele me aceitou imediatamente. Saí do inferno e entrei no céu! Não preciso falar mais nada sobre isso. No céu.
GJ – Clodoaldo, responda se quiser. Cheguei a ouvir um comentário de que você teria ficado tão transtornado com tudo o que aconteceu aqui em Jundiaí, que teria até pensado em suicídio. Isso é verdade? Responda se quiser, repito.
Clodoaldo Fernandes – Olha, nesses momentos passa tanta coisa na cabeça da gente... a gente se sente abandonado... (Clodoaldo interrompe sua fala novamente e chora).
GJ – Você está chorando, de novo?
Clodoaldo Fernandes – Me desculpe. Isso tudo ainda me abala e emociona demais... desculpe mesmo. Mas, continuando, tenho uma esposa maravilhosa, que me deu muita força..., mas, passou muita coisa pela minha cabeça... minha esposa me levou ao psiquiatra... e foi muito bom pra mim... minha esposa também me levou ao psicólogo... Nossa! Foi tudo muito bom.
O meu medo era não conseguir a vaga em 30 dias.
Mas, depois que consegui a vaga em Morato, tudo começou a mudar, melhorar e tudo foi passando.
GJ – Então você chegou a pensar em suicídio? Responda se quiser. Repito.
Clodoaldo Fernandes – Não sei se foi bem isso. Eram muitas coisas juntas. Sentimento de abandono, sofrimento, outras coisas... sei lá!
E também é assim: pensar é uma coisa. Ter coragem é outra.
Quando você se sente muito mal você até pensa. Mas, acho que jamais teria coragem de fazer isso comigo
GJ – Graças a Deus!
Clodoaldo Fernandes – É.
GJ – Além de sua esposa ter conversado em Morato para sua realocação, o que mais você fez nesse prazo de 30 dias?
Clodoaldo Fernandes – Logo no início do prazo, eu entrei com mandado de segurança na Justiça. Mas, assim que consegui a vaga, pedi para a advogada cancelar o processo.
Também fui conversar com o promotor de Justiça, dr. Fabiano (Severiano Pavan).
Disse a ele toda a situação. Disse, inclusive e principalmente, que eu não tinha como provar, porque o gerente sempre fechava a porta para falar comigo. Nessas ocasiões ele (gerente) até parecia estar me provocando para que eu me rebelasse. Mas, sempre me mantive firme. Deixei que ele fizesse as investidas dele em vão.
O promotor fez o que precisava fazer lá, parece que chegou a chamar o gerente e a diretora, não tenho certeza...
Mas, nem precisei pedir nada ao promotor. Ele já havia arquivado o processo, quando consegui a vaga em Morato.
Então está tudo bem agora. Trabalhei em Morato um tempinho e, em seguida, já pude me aposentar. Hoje estou e sou feliz!
RECOMENDAÇÃO
A reportagem do Grande Jundiaí apurou que, ao apresentar ao prefeito de Jundiaí, Luiz Fernando Machado, o Relatório Final da Sindicância aqui citada nesta entrevista, a presidente da Comissão de Sindicância, dra. Heloise Meneghel Melquiades, procuradora do Município, acompanhada pelos demais membros do colegiado, registrou no documento algumas recomendações. Dentre elas aquela que se refere a ameaças diretas ou indiretas.
“Diante da legislação em vigor aplicável, recomendamos a todas as partes envolvidas, testemunhas, indiciados e denunciante que cessem absolutamente quaisquer espécies de ameaças diretas ou indiretas, decorrentes deste processo administrativo disciplinar, sendo certo que a infeliz tentativa de prolongar tal história (...) é centelha certa para que se principie um novo processo administrativo disciplinar (...)” recomendou a procuradora da Prefeitura de Jundiaí.
O GERENTE
O médico veterinário Carlos Ozahata, gerente da Zoonoses e recém aposentado, enviou suas considerações à reportagem, reafirmando que a devolução de Clodoaldo Fernandes da Prefeitura de Jundiaí ao Ministério da Saúde ocorreu por falta de condições técnicas.
Destacou que a participação de Clodoaldo Fernandes na sindicância não teve nenhuma influência em sua decisão.
“Após alguns meses de trabalho, verificamos que seu conhecimento na área da vigilância das arboviroses e, principalmente, dos demais assuntos atinentes ao órgão, era aquém do esperado”, disse Ozahata.
“Por isso, teve muita dificuldade de se adequar às nossas necessidades. Dessa forma, foi liberado para trabalhar em outra prefeitura. E sendo assim, a sua participação nos inquéritos não teve qualquer influência na questão citada” destacou.
Outro ponto que Ozahata se manifestou dá conta do papel da gerência.
“Faz parte da função de gerência, a observância da manutenção da qualidade técnica do órgão para responder às diversas zoonoses existentes no país”, continuou o médico veterinário.
“Além disso, o de fomentar e fazer cumprir, como todos os demais funcionários municipais, as normativas estabelecidas tanto pelo Estatuto quanto o Código de Ética dos Funcionários Públicos da Prefeitura de Jundiaí”, completou.
Por último, Ozahata julgou “ser importante e prudente realizar levantamentos e análises de históricos anteriores para avaliações imparciais e corretas”.