Jesus dos Santos
“A colega Maria, (nome fictício), chegou a tentar suicídio em decorrência do assédio sexual e moral praticado pelo chefe, episódio que culminou em internação psiquiátrica. Mas, mesmo assim, nada aconteceu para o chefe”.
“Eu e vários outros servidores estamos utilizando medicamentos controlados, apenas para suportar a presença do gerente. Ele (o gerente) tem postura agressiva especialmente contra mulheres, com falas machistas e humilhações (você deixou o cérebro em casa?)”
“Tinha que ser preta!”, disse o gerente, se referindo à funcionária negra da limpeza.
Outra servidora detalhou “episódios graves de automutilação com chapinha, ingestão de cartela de remédios após humilhação pública e internação psiquiátrica, tudo relacionado ao assédio sofrido”.
“Houve retaliações após prestar depoimentos ao MPT, incluindo o ajuizamento de ação trabalhista contra si, tentativa de desvio funcional e práticas discriminatórias em razão de sua condição de saúde. Existe, sim, perseguição da gerente e de integrantes da alta gestão”.
“Atos de assédio sexual do gerente, como toques na cintura de colegas e comentários depreciativo sobre peso. Insinuações sexuais em público e sem nenhuma consequência visível, até a intervenção do MPT”.
“Houve comentários depreciativos de cunho sexista, racial e de abuso de poder por parte do gestor. Colegas desenvolveram graves distúrbios psicológicos, com internações e tentativa de suicídio, em decorrência do ambiente de trabalho. Tentei buscar a apuração, mas fui coagida a negar os fatos”.
Você acabou de ler poucos dos muitos depoimentos feitos por servidores do Dae S/A Jundiaí ao Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região, que fica em Campinas.
Após cinco anos de trabalhos no âmbito de inquérito civil específico e sem resultados satisfatórios, o Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio do procurador Marcel Bianchini Tentin (foto) entrou com Ação Civil Pública na Justiça contra o Dae Jundiaí.
Se condenado, o Dae poderá arcar com mais de R$ 500 mil, a título de indenização por dano moral coletivo. Além desse valor, outros R$ 10 mil serão cobrados por cada eventual obrigação constante da sentença e não cumprida.
Questionado, o Dae respondeu ao Grande Jundiaí que ainda não foi notificado sobre a Ação Civil Pública e, por isso, não vai se manifestar sobre seu conteúdo neste momento. (Leia a íntegra da nota ao final da matéria).
MUITOS CASOS
A primeira denúncia chegou ao órgão ministerial em 2019 e, de acordo com o MPT, foram aumentando ao longo dos anos.
Só neste ano de 2025 foram quatro denúncias, no âmbito do mesmo inquérito, destaca o procurador do Trabalho.
“Todos os elementos colhidos demonstram que as práticas abusivas são reiteradas, enraizadas e institucionalizadas, envolvendo distintos setores do Dae e múltiplos gestores com poder decisório”, afirma o procurador do MPT, Marcel Bianchini Trentin.
Tanto servidores que ficam na sede da empresa, quanto na Estação de Tratamento de Água – ETA-A foram atingidos por assédio moral e sexual.
PUNIÇÃO OU PROMOÇÃO
O procurador do Trabalho também diz em sua petição à Justiça que “a investigação constatou que o Dae não apenas falhou em punir os assediadores, mas também os protegeu”.
A reportagem do Grande Jundiaí buscou saber, dentre os servidores, algum exemplo dessa proteção aos assediadores.
E encontrou que, um deles, deixará o local de trabalho atual (onde praticou assédios) e será promovido para chefe de outro setor.
BANHEIROS
Além da questão do assédio moral e sexual, o MPT apontou a falta de banheiros químicos para uso dos servidores que trabalham em atividades externas, como manutenção, por exemplo.
“Esses empregados, responsáveis por trabalhos de manutenção em locais públicos, permanecem sem acesso a banheiro de nenhuma forma”, continua o procurador do Trabalho, na ação.
DAE
A assessoria de imprensa do Dae Jundiaí respondeu ao Grande Jundiaí que “ainda não foi oficialmente notificada sobre a Ação Civil Pública mencionada e, portanto, não irá se manifestar sobre seu conteúdo neste momento”.
A assessoria completa a nota dizendo que “a empresa reforça que repudia qualquer forma de assédio e que mantém políticas internas e procedimentos formais para apuração de denúncias, garantindo sigilo, respeito e responsabilidade em todos os processos”.
No entanto, o procurador do Trabalho Marcel Trentin, por ocasião da elaboração de sua peça inicial da Ação Civil Pública, escreveu que o Dae, “apesar de reiteradas recomendações do MPT, não providenciou a instalação de banheiros químicos ou de qualquer estrutura sanitária móvel”.
“A empresa (Dae) até reconheceu informalmente a necessidade de melhorias e implantou mecanismos internos de registro de queixas (como ouvidoria e programa de compliance), mas, tais providências não cessaram as denúncias nem resultaram em soluções efetivas. Pelo contrário, os relatos de assédio e de insalubridade apenas se acumularam ao longo do inquérito civil”, completou o procurador Marcel Trentin.