Jesus dos Santos
“Os vereadores, antes de terem aprovado, no mês passado, o projeto de lei, que deu origem à Lei Complementar nº 619/23, deveriam ter ouvido os servidores. Deveriam ter procurado saber quem, além dos Agentes de Fiscalização de Posturas Municipais, está envolvido nas atividades que oferecem risco de vida. Não ouviram. E, então, muitos servidores ficaram de fora. Foi uma aprovação infeliz”, disse João Miguel Alves, presidente da Associação de Servidores Municipais do Aglomerado Urbano de Jundiaí e Região, a Asserv.
“E qualquer outro projeto de lei que mexa com a categoria, antes de sua aprovação, precisa ser pauta de uma conversa entre os vereadores e os servidores. Não dá para continuar com somente quatro ou cinco pessoas, numa sala, fazendo minutas de projetos de leis e enviando ao prefeito para, depois, irem para a Câmara, que, por sua vez, não se anima em ouvir os servidores. Aliás, essa conversa precisa mesmo é ser feita já na prefeitura”, completou.
Com essa fala, João Miguel inicia suas duras críticas à aprovação do projeto que deu origem à Lei Complementar nº 619/23.
A nova lei, com vigência desde o dia 15 passado, estende o pagamento do adicional de risco de vida de 30% do salário de servidores, ainda que não estejam exclusivamente na fiscalização do comércio, como era a antiga redação da lei.
Antes da aprovação da nova lei, somente os agentes que fiscalizavam o comércio recebiam 30% a mais nos salários, a título de adicional de risco de vida.
Agora, basta que sejam agentes de fiscalização de posturas municipais, que exerçam, com habitualidade, atividades relativas à fiscalização e de acordo com atribuições funcionais do cargo, passam a ter o direito ao benefício.
João Miguel dá exemplos de outras funções, que, comparadas a dos agentes, expõem os servidores ao risco de vida, mas, ficaram de fora do projeto.
“As autoridades sanitárias que trabalham no Cerest, na Vigilância Sanitária, na Defesa Civil, na Fiscalização de Obras, na Fiscalização de Impostos e em outros locais também fazem jus ao adicional de risco de vida!”, continua o presidente.
“Um assistente administrativo, quando diz que não tem médico na unidade, passa, às vezes, por situações perigosas! O médico, quando não dá um atestado, também a mesma coisa! Um assistente administrativo, quando diz ao paciente que o remédio não chegou, também a mesma coisa!”, pontuou ele.
“Se um agente de fiscalização de posturas municipais interdita a venda de produtos piratas, por exemplo, a Prefeitura entende que ele corre o risco de vida. Então, continuando com exemplos, temos também que a autoridade sanitária do Cerest interdita uma obra da construção civil, a autoridade sanitária da Vigilância Sanitária interdita uma pastelaria, o zelador impede que vândalos entrem na escola e a danifique, os fiscais de impostos municipais multam contribuintes, dentre outras. E o mais grave: o pessoal da Defesa Civil que interdita a casa onde a família está abrigada e não recebe o risco de vida! Tudo isso provoca discussões, entreveros, ofensas e talvez possa ser seguido de ameaça à vida do servidor!” comparou João Miguel, acrescentando que “o pessoal da Defesa Civil também se expõe ao risco de vida, ao entrar em uma residência, logo após um incêndio, por exemplo”.
“Então, se o prefeito fala em isonomia, esses servidores e outros que ainda não citei também teriam de ser contemplados com o adicional de risco de vida de 30% em seus salários. Mas, os vereadores não se atentaram à oportunidade de, já que o pagamento do adicional foi estendido, poderia muito bem ter contemplado várias outras funções. Não deve ter havido estudo nenhum para a minuta desse projeto. Aliás, o prefeito disse aos vereadores que a proposta nasceu, em virtude de vários processos administrativos na prefeitura, requerendo o benefício. Ora! Isso não é estudo”, critica o presidente.
AÇÕES JUDICIAIS
Ao encaminhar o projeto de lei à Câmara Municipal de Jundiaí o prefeito Luiz Fernando Machado justificou sua intenção.
Além do que já citou João Miguel, Machado afirma no documento, que o projeto tem o objetivo de assegurar o princípio da isonomia aos servidores do cargo de Agente de Fiscalização de Posturas Municipais, que exercem, habitualmente, atividades de fiscalização independentemente da área de atuação.
O prefeito acrescenta, dizendo que o risco ocorre quando o servidor está exposto às atividades externas de fiscalização.
Para João Miguel, essa justificativa poderá ainda dar margem para a criação de um passivo trabalhista, vez que os servidores dela poderão fazer uso em ações judiciais, em busca da vitória, incluindo nela, a restituição de 30%, de cada mês, referentes aos últimos cinco anos de exposição ao risco de vida.
“Quando o prefeito justifica a sua proposta, dizendo tão somente dos agentes, vejo que aí se cria a isonomia entre eles agentes. Mas, não entre os servidores que efetivamente também se expõem ao risco de vida, como os do Cerest, das Vigilâncias, da Defesa Civil de Obras e outras, como eu já disse”, analisa o presidente da Asserv.
“Então, para mim, isso pode, sim, ser a criação de um passivo trabalhista, em virtude de, nem a prefeitura, nem os vereadores se atentarem sobre a necessidade de estudos e que precisam ouvir os servidores, antes da propositura ou aprovação de qualquer projeto que mexa com a vida deles”, completou.
PROFISSIONAL DA ÁREA
Um profissional da área de saúde e segurança do trabalho, que preferiu não se identificar, considera haver falhas tanto na Lei Complementar 619/23, recém aprovada, como na Instrução Normativa nº 07/23 publicada pela Unidade de Gestão de Pessoas da Prefeitura de Jundiaí.
“Vejo que, uma vez estendido o pagamento do adicional de risco de vida, haveria a necessidade de estudos sobre as outras funções onde outros servidores também se expõem ao mesmo risco. E isso é atividade exclusiva do departamento de saúde e segurança do trabalho da Prefeitura de Jundiaí”, diz o profissional.
“Não pode ocorrer que o próprio servidor requerente do adicional diga, em formulário de indicadores de riscos na atividade de fiscalização, quais são aqueles a que ele se expõe. Isso é tarefa do serviço especializado em segurança e medicina do trabalho da Prefeitura, como eu disse. E vemos na Instrução Normativa nº 07 da Gestão de Pessoas, publicada na Imprensa Oficial do Município, na semana passada, que o servidor requerente terá de preencher esse formulário, conforme o Anexo I da própria Instrução Normativa”, continua ele.
“Mas, aliás, onde está esse Anexo? Na Imprensa Oficial não está e, então, portanto, a falha precisa ser corrigida. Há a necessidade de complementação da publicação do ato oficial da Gestão de Pessoas, ou melhor, há a necessidade desses riscos serem levantados e endossados pelo serviço de medicina e segurança do trabalho da prefeitura, em programa específico e obrigatório, o PGR - Programa de Gerenciamento de Riscos. Depois, a republicação da Instrução Normativa com as devidas alterações.