A suspensão dos testes com a vacina contra a covid-19 desenvolvida pela Universidade de Oxford em parceria com a farmacêutica AstraZeneca, divulgada nessa terça-feira, 8, deve ter impactos no cronograma da nova vacina, mas é uma intercorrência considerada normal durante a busca por um imunizante seguro e eficaz, avaliam especialistas ouvidos pelo Estadão. A vacina está sendo testada em vários países, incluindo o Brasil, e a interrupção se deu após suspeita de reação adversa grave em um voluntário do Reino Unido.
"Isso é o que pode acontecer em todas as pesquisas clínicas e no desenvolvimento de qualquer vacina. É importante que as pessoas saibam que, quando faz pesquisa, é feito um monitoramento rigoroso das pessoas que estão participando e, qualquer coisa que aconteça em termos de saúde, tem de ser relatada como evento adverso. Como está no período de observação da vacina, a situação tem de ser avaliada pela equipe e por auditores externos", explica Juarez Cunha, presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Ele exemplifica que, caso um voluntário tenha um enfarte agudo, um derrame e até em caso de atropelamento, a situação precisa ser avaliada. "Se uma pessoa é atropelada após tomar uma vacina, é um evento adverso grave, porque pode ter sido atropelada porque ficou tonta e caiu. Tudo é tratado como evento adverso até ser avaliado por um comitê externo."
Segundo Cunha, a suspensão não significa que o estudo foi completamente interrompido e que o que foi feito até o momento será perdido. "O monitoramento continua, o que suspende é a inclusão de novos indivíduos na pesquisa. O tempo que vai demorar para retomar a pesquisa depende da avaliação e conclusão (desse processo). Isso afeta o cronograma, porque essa avaliação nem sempre consegue ter resultados rapidamente."
De acordo com o esboço do panorama das candidatas a vacina divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) nesta quarta-feira, 8, há 34 candidatas a vacina em avaliação clínica, das quais nove estão na fase 3, com testes em humanos, incluindo a de Oxford. Outras 145 estão em fase pré-clínica (in vitro).
Ainda segundo o presidente da SBIm, a lista divulgada pela organização não é um ranking, mas a vacina de Oxford era considerada a mais avançada. Com essa pausa, a vacina da empresa chinesa Sinovac Biotech, desenvolvida com apoio do Instituto Butantã, pode assumir o posto. No entanto, ele destaca que o mais importante é que várias opções estejam disponíveis para a população.
"A de Oxford era a mais adiantada porque todas as etapas foram preenchidas mais rápido. Está na fase 3 com muitos indivíduos já fazendo parte da pesquisa. Ela e a da Sinovac eram as mais adiantadas. Mas ainda bem que temos várias vacinas sendo pesquisadas com diferentes formas de desenvolvimento e o que todo mundo espera é que tenhamos várias que consigam chegar ao final da corrida mostrando segurança e eficácia."
Virologista do Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas) e pesquisador do Departamento de Microbiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Flávio da Fonseca diz que é relativamente comum que eventos adversos ocorram na fase 3, tendo em vista que mais pessoas passam a participar do estudo.
"É a fase que mais se tem voluntários. Nas fases 1 e 2, as pesquisas estão na casa de dezenas e centenas de voluntários. Quando passa para a fase clínica 3, aumentam as chances de que pequenos problemas aconteçam."
Ele diz que não é possível precisar o impacto no andamento do cronograma, pois diferentes pontos precisam ser analisados. "É preciso avaliar se o voluntário tinha uma doença de base que não foi descoberta quando ele foi recrutado, se o voluntário recebeu a vacina ou placebo."
Fonseca concorda que é necessário ter mais de uma candidata a vacina diante da situação da pandemia. "É uma vacina para 7 bilhões de pessoas. Não necessariamente a primeira vai ser a melhor, por isso que outras devem continuar sendo estudadas e ofertadas. O importante é ser preciso no estudo. Se a precisão puder ser conjugada com a rapidez, melhor."