Jesus dos Santos
Nos dias atuais, o Hospital de Caridade São Vicente de Paulo, em Jundiaí, vive momentos que inspiram cuidados. Terapia intensiva, por certo.
Ele acabou de perder um contrato para administrar e operar os Prontos Atendimentos (PA) Central, do Retiro e da Vila Hortolândia, da Prefeitura de Jundiaí.
São Vicente está doente. Está com má (di)gestão de recursos públicos recebidos.
E talvez esse diagnóstico não fique isolado, uma vez que a amnésia e falência múltipla de dinheiro público podem lhe acompanhar na chamada comorbidade.
Quanto à amnésia, que até agora não se sabe se ela é parcial ou total, temporária ou permanente, o hospital não tem se lembrado com clareza onde e como gastou e gasta os recursos públicos que recebe da Prefeitura de Jundiaí.
Nem o Conselho Municipal de Saúde (Comus), nem a própria Prefeitura de Jundiaí recebem dele as informações que precisam para exames de suas contas.
Pela falência múltipla de dinheiro público, o hospital está sangrando muito, já que alega não ter como pagar a rescisão dos contratos trabalhistas de cerca de 300 funcionários desses PA’s. A Prefeitura de Jundiaí sempre esteve e está em dia em relação aos repasses financeiros ao hospital.
Mas, essa doença, a má (di)gestão, não é de hoje!
Há anos, ela evolui e, pelo que se vislumbra, ainda pode provocar muita dor de cabeça em alguns, e até mesmo dor de barriga noutros, aumentando o elenco da comorbidade.
Nesta matéria, a população em geral e, em especial, os conselheiros e ex-conselheiros municipais de saúde, poderão saber, por meio de alguns exemplos, o que se passou nesses últimos anos no hospital, em relação aos recursos públicos gastos.
CURA
A boa notícia dá conta de que, com o início do novo governo, o de Gustavo Martinelli, a cura chegou para o hospital.
Quem participou da última reunião ordinária do Comus, por exemplo, pôde ver e confirmar que as medidas já em andamento se identificam, em muito, com a ação de um sal de frutas ou qualquer outro antiácido para combater essa má (di)gestão do hospital.
2010
Lá em 2010, por exemplo, São Vicente já apesentava sinais e sintomas dessa má (di)gestão dos recursos públicos que recebe.
Por irregularidades do hospital, a Prefeitura de Jundiaí chegou até a ser proibida pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) de continuar fazendo os repasses financeiros a ele. Mas, em recurso, conseguiu reverter a situação e continuar a prestar os serviços à população, da forma em que estava.
No julgamento da prestação de contas do hospital, referente ao ano de 2010, o TCE o condenou a devolver R$ 57 milhões à Prefeitura de Jundiaí e suspendeu novos repasses, até que comprovasse a devida regularização.
O motivo dessa decisão rigorosa do TCE se deu em virtude de substituição de plano de trabalho por outro instrumento de pactuação, caracterizado pela imprecisão na indicação de metas previstas e realizadas.
2015
Nesse ano, a fiscalização do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) constatou que o hospital fez aplicações irregulares com os recursos financeiros que recebe da Prefeitura de Jundiaí.
“A irregularidade é especialmente acentuada em se considerando que o hospital recebe recursos de três fontes públicas diferentes e, apesar disso, não se presta a elaborar seu balanço por projeto. Além disso, não apresenta relatório de atividades consistentes e segregado por convênio, não se podendo sequer afirmar da adequação e idoneidade das despesas comuns apresentadas”, disse o Tribunal.
“Por oportuno, relembro que as prestações de contas dos exercícios de 2008, 2009, 2010 e de 2011, foram julgadas irregulares por falhas semelhantes à do presente caso, e considero, data vênia, que comportaria aos responsáveis as sanções previstas na legislação”, continuou.
O Tribunal também destacou que neste ano de 2015, havia o passivo descoberto crescente, sobretudo em razão de empréstimos bancários feitos pelo hospital, com valor correspondente a 112,58% de sua receita anual.
Essa prestação de contas foi julgada irregular.
2018
Em 2018, a Prefeitura de Jundiaí fez um repasse de quase R$ 8 milhões ao hospital.
A fiscalização do TCE, após instruir a matéria, anotou a dependência do hospital de recursos públicos e alto grau de endividamento.
Anotou também o não atendimento de determinação quanto à transparência de seus gastos.
Da responsabilidade da Prefeitura de Jundiaí, a fiscalização apurou que havia carência de notícias quanto à determinação de acompanhamento da situação financeira do hospital.
Nesse ano, apesar do julgamento pela regularidade da prestação de contas, o Tribunal determinou que a Prefeitura de Jundiaí e o Hospital dessem imediata e ampla publicidade, notadamente em seus sites, com link direto e ostensivo, da aplicação dos recursos públicos recebidos e de suas respectivas destinações.
Isso tudo, no mínimo, por categorias de despesas, sem prejuízo das prestações de contas a que estejam legalmente obrigados por lei.
2019
Nessa ocasião, a Prefeitura de Jundiaí repassou mais de R$ 85 milhões ao hospital.
Da fiscalização desse montante foi apurado que não foram atendidas as metas propostas no Plano de Trabalho, com a relação aos gastos com medicamentos, com material médico hospitalar e com outras despesas.
Com medicamentos, a fiscalização afirma que os gastos foram quase três vezes menores que o planejado.
Já com material médico hospitalar, há o registro de que foram quase 78% superior ao esperado.
Os gastos categorizados como outras despesas superaram em quase seis vezes o previsto.
A fiscalização também registrou despesas que foram feitas e que não constam do Plano de Trabalho. Elas dão conta de compras de gêneros alimentícios, outros materiais de consumo, locações diversas, combustível e bens e materiais permanentes
Foram constatadas transferências de recursos oriundos do repasse municipal para outras unidades de saúde, a título de posterior ressarcimento, com a finalidade de suprir pagamentos diversos. Destacado aqui o desatendimento de determinação anterior do próprio Tribunal.
No entanto, as contas foram julgadas regulares, já que houve a entrega de documentos posterior à entrega da prestação de contas, o que teria dificultado sua análise.
Ao final desse ano de 2019, o hospital registrou passivo a descoberto no valor de mais de R$ 122 milhões, o que sinalizava que dependeria do repasse verbas complementares.
2020
Mais de R$ 127 milhões foram repassados da prefeitura para o hospital em 2020.
As contas foram aprovadas, depois de corrigidas falhas apontadas pela fiscalização do TCE.
Dentre elas, o destaque para os gastos com pessoal, no que compete à aplicação dos recursos estaduais para o Hospital de Campanha (Covid), que superaram em mais de duas vezes o valor previsto nos planos de trabalho.
Em defesa, o hospital explicou que esses gastos decorreram de situação fortuita, materializada pela inesperada crise sanitária (pandemia de Covid-19), que atingiu o mundo.