Em 27 de novembro passado, a gestão de Saúde da Prefeitura de Jundiaí levou ao plenário do Conselho Municipal de Saúde – COMUS – um item de pautapara sua reunião ordinária, dando conta de que precisava pagar mais de R$ 8 milhões ao Hospital de Caridade São Vicente de Paulo. Esse valor se refere ao custo de cerca de 800 internações rejeitadas pelo Ministério da Saúde - SUS.
Não por unanimidade, o item foi aprovado e o hospital irá receber o valor informado pela gestão.
Tivesse esse valor sido pago pelo SUS seria cerca de três vezes menor.
Mas, como explicou o vice-presidente do COMUS, José Antonio Kachan Júnior, quando o Ministério da Saúde rejeita o pagamento da internação e, então,fica para a Prefeitura arcar com a despesa, esta passa a se enquadrar nos valores do convênio Prefeitura-hospital (Convênio 09/2019), que é três vezes maior do que o da tabela SUS.
Alguns conselheiros de saúde estão indignados e se manifestam um tanto desanimados, já que a Prefeitura não informa nem mesmo o nome e endereço dos pacientes para, por amostragem, permitir a fiscalização e a comprovação da veracidade das internações.
“Não estou desconfiada nem da Prefeitura, nem do hospital, nem de quem quer que seja!”, destacou a conselheira Iracema Rodrigues Leal, que votou contra o pagamento.
“O que não está correto é a Prefeitura dizer que precisa pagar R$ 8 milhões ao hospital, mas não revela o nome de nenhum paciente, alegando que isso é sigiloso. Ora! Não quero, nem preciso saber nada a respeito de diagnósticos, exames, doenças etratamentos de nenhum paciente. Só preciso, por ser conselheira e fiscal do dinheiro da Saúde, é do nome e endereço de alguns para, querendo, verificar na casa deles, se as informações são verdadeiras ou não. Só assim, terei condições de aprovar ou não o pagamento da AIH rejeitada pelo Ministério da Saúde. Por outro lado, se realmente todos os dados são sigilosos (inclusive nome e endereço), que essa questão não seja levada ao COMUS para aprovação, já que não tem cabimento aprovar uma coisa que dela não se tem informações”, sugeriu aconselheira.
Em auditoria do Ministério da Saúde no município de Jundiaí, no ano de 1999, os auditores, coordenados por Carlos Eduardo Viana Santos, constataram que houve cobrança indevida em 45% das AIH’s do Hospital São Vicente de Paulo.
Em defesa, a Secretaria de Saúde de Jundiaí da época informou que faria as correções daquela data em diante e não respondeu sobre a pertinência dos procedimentos cobrados indevidamente.
Já no extinto Hospital e Maternidade Jundiaí, segundo reportagem da Folha de S.Paulo (Campinas), os auditores constataram internações fantasmas.
“Um relatório do Ministério da Saúde apontava que foram emitidas AIH’s (Autorizações de Internações Hospitalares) para internações que foram cobradas no sistema, mas não foram confirmadas pelos pacientes. Após a constatação das irregularidades no hospital, a própria administração anunciou ter aberto uma sindicância para apurar as internações fantasmas”, diz trecho da reportagem da Folha à época.
PREFEITURA
A Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Jundiaí não respondeu às solicitações feitas pela reportagem do Jundiaí Saúde, em sua Sala de Imprensa, na tarde de ontem (9).
Em outubro de 2018, o gestor de promoção da Saúde de Jundiaí, Tiago Texera, explicou o assunto ao Jornal de Jundiaí (JJ), se referindo ao valor de R$ 25 milhões que a Prefeitura fizera para reforço do caixa do hospital.
“A Prefeitura de Jundiaí tem convênio com o São Vicente para o atendimento ambulatorial com metas estabelecidas por mês. Quando ultrapassa, gera excedente de produção. As internações que são rejeitadas pelo ministério também são provenientes do atendimento. Apesar de o hospital contar com 238 leitos oficiais, as internações ultrapassam esse número, na maioria das vezes, por ser o único hospital de alta complexidade da Região. Esse montante adicional é subsidiado por termo aditivo”, explicou o gestor à época ao JJ.
CONSELHEIROS
Um conselheiro, que preferiu não se identificar, tem posição favorável à gestão de Saúde da Prefeitura. Para ele, tudo no Conselho se dá com transparência e essa questão das AIH’s pode ser facilmente resolvida.
“Primeiro vejo que nem teria a necessidade dessa fiscalização para confirmação ou não das internações. Mas, se é esta a vontade de alguns conselheiros, eu mesmo me comprometo a levantar isso na próxima reunião, para que se tenha a informação pretendida. Vejo também que o próprio Conselho Gestor do Hospital São Vicente poderia contribuir nessa demanda, já que seus membros é quem têm a oportunidade de contato direto com pacientes”, disse ele.
Já para o vice-presidente do COMUS, José Antonio Kachan Júnior, não se trata de a gestão querer ou não querer informar nomes e endereços de pacientes. Trata-se, isso sim, do aspecto legal.
“É claro que não vou defender aqui essa tese como profissional do Direito, mas vejo que a gestão segue a legislação. Até hoje, todas as informações que tive sobre isso, dão conta de que é ilegal passar informações sobre pacientes, ainda que se trate tão somente de nome e endereço, preservando dados médicos do prontuário”, disse Kachan. “E nada impede que o conselho solicite ao Jurídico da Prefeitura o devido parecer sobre essa intenção de informação de nomes e endereços de pacientes”, concluiu.
Célia Regina de Moura Silva, também conselheira, não votou sobre o pagamento das contas do custo das internações, vez que é suplente. Mas, manifestou seu lamento.
“É uma pena que as dificuldades para os trabalhos do COMUS ainda continuem! Se o conselheiro precisa de um documento para verificação, ou não entregam ou demoram a entregar”, lamentou Célia. “Sobre essa questão da informação de nome e endereço, já solicitei várias vezes, mas sem sucesso”, completou ela.
O conselheiro Joaci Ferreira da Silva havia acabado de sair da sala da Ouvidoria do Hospital São Vicente, na tarde de ontem, quando foi abordado por telefone, pela reportagem do Jundiaí Saúde. Aproveitou para dar exemplo de fatos que não concorda e, por isso, vota contra.
“Estava agora mesmo na sala da Ouvidoria do hospital e presenciei a reclamação de um parente de um paciente internado há oito dias e sem ter recebido a visita de um médico, pelo menos!”, contou o conselheiro. “Onde está a fiscalização do próprio hospital e da gestão municipal? Esses oito dias de internação serão cobrados, simplesmente pela espera de um médico e isso não é justo. E também outro paciente ficou internado por uma semana, à espera de uma ressonância. Quando chegou o dia do exame, recebeu a notícia de que não poderia fazer esse procedimento, porque usa aparelho nos dentes. Pergunto de novo: onde está a fiscalização do hospital e da prefeitura? O médico não sabia que o paciente não poderia fazer o exame? E então vamos aprovar o pagamento da internação?”, continuou.
Silva conta mais. “Outra coisa que voto contra é o caso de a Prefeitura cobrar internação de paciente que fica no corredor do hospital. Corredor não é quarto com leito, ainda que ali o paciente possa receber algum tipo de medicação”.
Ainda se manifestando sobre sua indignação a conselheira Iracema Leal conta um pouco sobre a reunião onde se deu a votação para o pagamento das internações rejeitadas pelo Ministério da Saúde.
“Eu pedi que a gestão de Saúde me desse cópias das AIH rejeitadas. Recebi duas delas, mas com os nomes e endereços dos pacientes riscados e, assim, não se tem condições de tentar a confirmação da internação no período ali registrado”, disse Iracema.
“Das duas AIH que recebi, uma tem valor de R$ 24 mil e outra de R$ 42 mil. Esses são os valores que o SUS pagaria se não as tivesse rejeitado. Agora esses valores serão pagos pela prefeitura ao hospital, sendo que o primeiro vai para mais R$ 72 mil e o segundo, para mais de R$ 120 mil. Não concordo com isso! Temos todos de zelar pelo dinheiro público, principalmente nós que estamos no Conselho como fiscais e integrantes do controle social. Não sei por que quando pago pela Prefeitura o valor tem de ser três vezes maior”, finalizou.
LEGISLAÇÃO/ORGANOGRAMA
O artigo 33 da Lei Federal 8.080/90 preceitua que os recursos financeiros do SUS devem ser movimentados sob a fiscalização dos respectivos Conselhos de Saúde.
Apesar do trabalho voluntário, os conselheiros de saúde fazem parte da estrutura organizacional da Unidade de Gestão e Promoção da Saúde de Jundiaí, como assim preconiza a legislação em vigor.
ASPECTO JURÍDICO
O advogado Eginaldo Marcos Honório se manifestou a pedido da reportagem, dizendo que a negativa das informações de nome e endereço aos conselheiros pode se configurar em ofensa aos princípios dos atos administrativos.
“Pelo que a reportagem me coloca, entendo que os conselheiros podem e devem receber as informações de nomes e endereços dos pacientes, vez que elas se apresentam como ferramentas indispensáveis para o ato fiscalizatório de parte dos recursos financeiros do Sistema Único de Saúde – SUS”, explica o advogado.
“Na realidade, a negativa dessas informações pode até mesmo ofender os princípios dos atos administrativos, ou seja, a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Nada mais exato do que buscar com o próprio paciente a confirmação da efetividade de sua internação hospitalar. Oportuno ressaltar que as informações médicas registradas em prontuários ou outros documentos são, sim, sigilosas e, portanto, não podem ser passadas aos conselheiros. Mas,quanto aos nomes e endereços, entendo não haver nenhum problema para a informação a eles”, completou Honório.