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Governo finge que protege, mas trabalhador não finge que morre

Publicado em: 03/11/2021 Autor/fonte: Jesus dos Santos
Governo finge que protege, mas trabalhador não finge que morre
Sem vacinação contra a Covid-19, trabalhador não pode ser demitido por justa causa, nem ser barrado em processos seletivos

JESUS DOS SANTOS (*) | Em portaria publicada no primeiro dia deste mês, sob nº MPT 620, o Ministério do Trabalho e Previdência, do governo Bolsonaro, diz que no fato de o trabalhador não querer se vacinar contra a Covid-19 não tem justa causa e, portanto, não pode ser assim demitido. Além disso, não pode ser barrado em processos seletivos, sob pena de reintegração ou indenização, respectivamente.

Mas, tem justa causa, sim!

O governo Bolsonaro continua fingindo que protege, mas o trabalhador continua não fingindo que morre. Ele morre mesmo!

Essa frase vem das falas de José Carlos da Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção e do Mobiliário de Jundiaí e Região. Por muitas vezes que me acompanhou em ações de fiscalização dos ambientes de trabalho, ele, com coragem, disse aos patrões para pararem de fingir que protegem os trabalhadores, porque eles não fingem que morrem.

José Carlos e eu investigamos, juntos, muitos acidentes fatais com trabalhadores! Uns por falta de cinto de segurança, outros por falta de escoramento em valas, outros, ainda, por falta de fechamento em portas dos poços de elevadores e por aí vai.

Testemunhei por várias vezes o próprio José Carlos, mesmo sendo o representante legítimo dos trabalhadores, anuindo, em seus discursos de canteiros de obras, com a demissão por justa causa a quem se recusasse do ‘simples’ uso de um capacete.

Ora! A lei é assim! E está regulamentada lá na Norma Regulamentadora nº 1, da Portaria 3.214/78, desse mesmo ministério do senhor Onix Lorenzoni!

Aliás, Lorenzoni, em vídeo, foi à Agência Brasil, também no último dia 1, dizer que “a nova portaria protege o trabalhador e afirma que a escolha de se vacinar pertence ao cidadão”.

Em tese, posso até concordar com o ministro. Quem não quiser tomar a vacina, que não tome! Mas, que também não vá trabalhar, já que, por óbvio, poderá levar os agentes nocivos fatais para o seu ambiente de trabalho, que não é só seu.

Então, passou da hora de dizermos ao governo Bolsonaro que isso é fingimento de proteção. E passou da hora também de dizermos a ele que ninguém fingiu morrer de covid-19.

Vejamos pouco mais detalhadamente a portaria.

Diz ela que o empregador está proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, de exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos, especialmente o comprovante de vacinação contra a Covid-19.

Vale lembrar, de novo, que é assim que o governo Bolsonaro finge proteger os trabalhadores: ‘Vacine-se quem quiser; viva quem puder!’

E, noutro trecho, que beira a forma paradoxal ou generosa, a portaria diz que o empregador poderá estabelecer políticas de incentivo à vacinação de seus trabalhadores. Ah vá?!

Na realidade, a edição dessa portaria do MTP é usurpação de competência!

Não é o empregador quem estabelece as vacinas ou exames médicos complementares a que os trabalhadores têm de se submeter, em defesa contra os agravos à sua saúde! Também não é o trabalhador!

Esta é uma das prerrogativas médicas! É o médico do trabalho, responsável pelo Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional, o famoso e de nome difícil PCMSO quem tem de dizer quais exames farão e quando os trabalhadores tomarão suas vacinas, a depender dos riscos a que estiverem expostos, durante o trabalho.

E aí vem a vacina contra hepatite B; tétano e difteria; influenza; tríplice viral; febre amarela, pneumocócica; varicela, hepatite A; febre tifoide.... e por que não contra a covid-19?

É bom destacar que toda empresa está obrigada à elaboração desse programa, o PCMSO, cuja responsabilidade médica por ele dura 20 anos.

É bom destacar também que é no PCMSO que deve ficar consignada, pelo médico, a necessidade da vacinação contra a covid-19, obedecendo a ciência na luta em busca da saúde coletiva.

É bom destacar mais: a recusa da submissão às vacinas ou a esses exames complementares indicados no PCMSO constitui ato faltoso do trabalhador.

E ato faltoso leva à demissão por justa causa, que o governo Bolsonaro lamentavelmente agora proíbe.

Por derradeiro, é bom destacar que os empregadores que não cumprem e não fazem cumprir as Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Previdência são passíveis de autuação pelo próprio órgão federal, ou pelas delegações formais em vigilância em saúde do trabalhador, lotadas nas Vigilâncias Sanitárias de cada município. Em Jundiaí, essa delegação formal está no Cerest – Centro de Referência em Saúde do Trabalhador, órgão que, com muito orgulho, gerenciei e onde me aposentei.

EVOLUÇÃO?

Que ninguém negue que o Ministério do Trabalho e Previdência, ressuscitado ao terceiro ano deste governo, em nada evoluiu. Ele continua com profissionais de excelente qualidade e capacidade técnico-legal.

Mas, o Ministério do Trabalho e Previdência de ontem não é o mesmo de hoje!

Ontem, suas portarias editadas serviam para regulamentar leis. Hoje, pretendem substituir leis, o que escancara ainda mais um governo desinteressado nas medidas protetivas do meio ambiente do trabalho.

Ontem, as portarias auxiliavam a necessidade da Administração Pública na execução do tanto preconizado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). E as portarias foram criadas para isso mesmo! Para regulamentar a prática de uma lei!

Imprescindível ressaltar aqui que a Portaria 3.214/78, da mesma pasta, aprovou várias normas regulamentadoras (NR). Elas tão somente detalham a forma de como os trabalhadores e patrões devem cumprir determinados preceitos da CLT.

Agora, com a norma publicada no último dia 1, e que vale tanto para empresas privadas como para órgãos públicos, o governo federal abre precedente para a ‘desregulamentação’ de outros dispositivos legais.

CONTRAMÃO

Com a publicação da Portaria MPT 620/21, o governo Bolsonaro vai na contramão de algumas decisões judiciais já proferidas.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio de sua 13ª Turma, confirmou a demissão por justa causa de uma auxiliar de limpeza que trabalhava em um hospital infantil e se recusou a ser imunizada duas vezes. O caso aconteceu em São Caetano do Sul, na região metropolitana da capital paulista.

DIREITO CONSTITUCIONAL

A Constituição Federal de 88 garante aos trabalhadores o direito de recusa ao trabalho, em situações de risco grave e iminente.

Ora! O risco de infecção pelo novo coronavírus é grave e, por vezes, iminente, já que os ambientes de trabalho não controlados podem ter potencial suficiente para os agravos fatais aos trabalhadores.

Mas, para continuar a homenagear o Ministério do Trabalho e Previdência de ontem, convém o destaque de sua Norma Regulamentadora nº 1, que garante ao trabalhador interromper seu trabalho, frente a essas situações.

“O trabalhador poderá interromper suas atividades quando constatar uma situação de trabalho onde, a seu ver, envolva um risco grave e iminente para a sua vida e saúde, informando imediatamente ao seu superior hierárquico”, diz a NR-1, que regulamenta o passo a passo para o cumprimento de preceito constitucional.

A rigor, o trabalhador que estiver num ambiente de trabalho com pessoas que, amparadas pela nova Portaria 620, optaram por não se vacinar contra a covid-19, até poderia recusar o exercício de suas atividades.

Mas, isso é utopia!

Infelizmente o governo federal vai continuar a fingir que protege, a seu modo. E ele, o trabalhador, vai continuar não fingindo que morre. Que pena!

 


(*) Jesus dos Santos é técnico de segurança do trabalho aposentado, jornalista, com formação superior em marketing e diretor do Sindae Jundiaí.

 

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